quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Ninguém é pago para ser feliz

Ainda não sei exatamente por que, mas o fato é que foi criada uma enorme confusão entre duas crenças:

1. Trabalhar é necessário, pois você ganha dinheiro para comprar coisas que te fazem feliz.

2. Ser feliz é uma boa ideia, e é bom tratar de ser feliz em tudo o que você faz, inclusive trabalhar.

Isoladamente, as duas estratégias são mesmo razoáveis. Mas, quando se vincula uma a outra, temos uma equação que simplesmente não se resolve, pois é ilógica. Quando juntamos uma a outra, o resultado é:

Te dão dinheiro para você trabalhar > Você tem de ser feliz no trabalho > Logo, te dão dinheiro para ser feliz


Vamos pensar na decorrência prática desse acidente lógico: você trabalha o mês inteiro num projeto superlegal. Fica feliz por isso, mais feliz do que no mês anterior. Logicamente, você teria de ir ao departamento de pessoal e declarar: "Como eu sou pago para ser feliz, então eu reivindico um adicional este mês, porque eu fui muito feliz".

Alguém consegue imaginar a cara do sujeito do RH? Alguém imagina para quem ele vai telefonar? Eu imagino: o manicômio. Ou você acha que ele vai dizer: "Mas qual a porcentagem de felicidade extra que você sentiu? Preciso desse número para calcular seu salário deste mês". Você acha que o cara vai realmente se comover com a sua felicidade?

Nada disso faz o menor sentido, ou seja: ninguém é pago para ser feliz. Vamos então entender como as coisas realmente funcionam:

1. Quando você trabalha (não importa se você é empregado ou empregador), estão trocando sua felicidade (ou seja, o tempo que você gastaria para obter felicidade) por dinheiro.

2. De posse da sua felicidade, a empresa transfere essa felicidade para o produto que você produziu.

3. Essa felicidade, transferida para o produto, é vendida para o consumidor, que, por sua vez, troca seu dinheiro pela felicidade impregnada no produto.

Ok, em toda essa transação, a empresa tenta obter lucro. Mas é que a empresa também quer ser feliz.

É simples assim: o dinheiro compra a felicidade, mas não devolve; vende para os outros.

Resumindo de novo: ninguém é pago para ser feliz, mas sim para transferir sua felicidade para um produto que (se for comprado) fará alguém feliz. A sua felicidade não é assunto da empresa, mesmo que a empresa seja sua. Sua felicidade é um assunto pessoal, intransferível.

Resumindo pela terceira vez: vire-se.

sábado, 30 de outubro de 2010

Somos todos caixas de banco felizes


É isso mesmo: cada vez que você digita os números do código de barras de um boleto, tarefa desgraçada que todos somos obrigados a cumprir, você se transforma no caixa de um banco. Feliz.

Já falei sobre os novos escravos felizes neste blog, aqui.

Sinto muito se houver leitores jovens, que pensam que BANCO é um site, e não uma FILA. Isso é o tipo de coisa que não me comove, uma vez que os jovens são no máximo um mal passageiro, embora necessário (ou seja, se não houvesse jovens, de onde viriam os velhos?).

O mais curioso é que, nas agências, as filas continuam iguais, mesmo com a web 2.0, mesmo em 2010.

Um parente meu, cujo nome não declino com medo de seus advogados e de seu psiquiatra, comprou três leitores de códigos de barras, dois dos quais repousam em seu armário de bagulhos. Disse ele: "O primeiro deu pau. O segundo não era compatível com o windows-x-ponto-qualquer-coisa. O terceiro estou usando, mas tem sérios problemas de interface". Ele queria facilitar seu próprio trabalho de pagar suas próprias contas.

É um caixa de banco falando! Pior: um caixa de banco sem sindicato, sem direitos e sem... salário!

Trabalha de graça para os bancos e compra seus próprios meios de produção. O que diria Karl Marx sobre isso? E Adam Smith?

É engraçado que, quando você cumpre sua tarefa direitinho, o bancos... COBRAM UMATAXA de você mesmo. Ou seja, você paga para trabalhar para eles e ainda desemprega sei lá quantos caixas de banco.

Não é sensacional? Foi mais ou menos o que aconteceu com os supermercados. Antigamente, precisando de um quilo de feijão, você ia a uma quitanda e pedia ao balconista: "Quero um quilo de feijão". Ele prontamente se dirigia ao saco de feijão, tirava de lá um tanto, pesava, corrigia a quantidade até ficar próximo de um quilo, entregava para você o feijão num saco de papel reciclável (essa palavra nem existia) e a transação estava "concluída com sucesso", mediante pagamento ou anotação numa caderneta.

Com o advento dos supermercados (o primeiro em São Paulo se chamava Peg&Pag, belíssima marca), o sistema mudou: o cliente é que faz o trabalho do balconista.

A única diferença entre sites de bancos e supermercados é de pudor: os supermercados não têm a cara-de-pau de cobrar uma taxa de você caso você tenha colocado no carrinho corretamente as coisas que você mesmo escolheu comprar. Não existe no final da compra uma linha no cupom fiscal assim: "VOCÊ PREENCHEU SEU CARRINHO COM SUCESSO. A TAXA É R$ 8,00". (Só espero que nenhum dono de supermercado leia este blog e ache que isso é uma boa ideia.)

Os sites de banco fazem isso: se você faz tudo certinho, cobram uma taxa. Se comete algum erro, a taxa não é cobrada.

O que aconteceu com o mundo? Alguém pode me explicar?

sábado, 14 de agosto de 2010

Soluções em busca de um problema: Wordle

Sempre admirei descobertas inúteis, ou seja, soluções em busca de um problema. Quando os irmãos Lumière inventaram o cinema, ninguém sabia para que aquilo servia, tanto que as primeiras exibições ocorreram em parque de diversões e não em teatros.

Aquele experimento mental (Gedankenexperiment) do Einstein, onde ele imaginava o que aconteceria com o mundo para alguém que montasse num fóton (que resultou na primeira Teoria da Relatividade), também era inútil: não buscava uma vacina para o câncer e nem a descoberta da bomba atômica. Como se sabe, serviu para a bomba atômica, invenção bastante útil, embora para muito pouca gente e à custa da evoporação de um monte de outras gentes. Isso pode não me comover, uma vez que eu não estava lá, mas parece que foi bastante desagradável.

Juntando os dois exemplos, temos: se Einstein montasse num fóton recém saído de um projetor de cinema que estivesse passando Duro de Matar, teríamos duas soluções em busca de nenhum problema. Afinal, muita gente prefere uma bomba atômica a ter de assistir a Duro de Matar 18. A equação seria:

S1 X S2 = P X 0

Ou seja: o produto de duas soluções em busca de problemas resulta em nenhum problema.

A web (e a tecnologia atual) é pródiga em soluções em busca de seus problemas. Mais: são soluções que criam problemas. O Youtube, por exemplo, não foi inventado porque milhões de pessoas clamavam desesperadamente por um lugar onde pudessem exibir seus vídeos de bebês rindo. Não havia um sofrimento estabelecido à espera de uma solução. Não tenho notícia de passeatas, abaixo-assinados ou ONGs, todos exigindo: "Queremos mostrar nossos bebês rindo, já!".

Ok, chega de enrolação. Vamos ao assunto do post

Acabo de conhecer uma solução em busca de um problema: o Wordle (www.wordle.net). Foi no Fórum Internacional do Livro Digital, da CBL, na palestra do Jean Paul Jacob, um brasileiro que mora nos EUA e trabalha há décadas na IBM.

O brinquedo é sensacional. Trata-se de um site onde você coloca um texto qualquer, mesmo enorme, e ele faz uma "nuvem de palavras", com o mesmo mecanismo que faz nuvens de tags (tag clouds): quanto mais frequente a palavra (excluídos os conectivos e artigos), maior ela aparecerá na imagem final. Você pode controlar fontes, padrões de cores, layout etc. É tão divertido que é difícil achar uma utilidade.

Veja como fica o texto de Memórias Póstumas de Brás Cubas do Machado de Assis:


Compare com Iracema, do José de Alencar:



Pronto. Em duas imagens, a diferença entre o realismo e o romantismo brazucas. Qual desses livros você leria?

Agora, a instigante letra da canção "Leãozinho", de um conhecido compositor brasileiro que um dia foi considerado complexo:


Tente qualquer coisa. Pode pôr a constituição, uma bula de remédio, suas cartas de amor, a url de qualquer site com feed ou a letra "a".

Você vai ver que um programinha bobo é muito mais rápido e divertido do que críticos de literatura.

Ops. Acabei de achar a solução para um problema..
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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Luzes, câmeras... ações!

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Hollywood faz dois tipos de filmes: a) filmes onde os advogados são protagonistas; b) filmes onde os advogados não existem. Ambos são filmes de "ação", mas cada um com um sentido para a palavra. O tipo B é muito mais frequente, mas não sei o motivo, uma vez que os americanos amam seus advogados mais do que às próprias mães. Principalmente quando decidem processá-las.

Sempre que acabo de ver um filme do tipo B, como Duro de Matar ou O Exterminador do Futuro, me pergunto: mas onde estão os advogados dos personagens secundários? Cada um desses filmes tem todo tipo de lesões corporais, assassinatos, depredação de patrimônios, assédios morais, invasão de domicílio, infrações de trânsito, falsidade ideológica... e ninguém é processado.

Os crimes são cometidos pelos mocinhos. Bruce Willis cansou de estraçalhar vidraças de lanchonetes com carros, ônibus, aviões, tratores e qualquer outro meio de transporte. Imagine você comendo batatas fritas com seus filhinhos e de repente sendo obrigado a desviar de um caminhão em chamas. E o dono da lanchonete? O que faria o dono da lanchonete depois de uma cena de Duro de Matar? Contrataria um advogado e tiraria até o último tostão de alguém. É isso que qualquer americano faz quando fica aborrecido.

Amigos já argumentaram (fazendo gesto de sorvete na testa para mim) que isso acontece porque os autores desses delitos são os mocinhos do roteiro e, portanto, acima-da-lei. Nesse caso, não precisam de advogados, além do que os donos das lanchonetes de Nova York em geral são imigrantes, ou seja, sub-cidadãos.

Esse é o tipo de argumento que não me comove. Advogados só ganham dinheiro grosso quando defendem bandidos. Mocinho, se for mocinho de verdade, é pobre (afinal, atrás de uma grande fortuna sempre existe um grande crime). A verdadeira explicação é que os advogados americanos não gostam de defender mocinhos, e é por isso que nesses filmes os produtores deixam os mocinhos à vontade: afinal, quem precisa de um bom advogado se tem um bom roteirista?

Conclusão lógica: o filme Duro de Matar 2 deveria ser uma longa e interminável sucessão de ações indenizatórias. Não foi.

Antes de fazer esse post, pedi a um advogado amigo que calculasse o montante de indenizações que poderiam ser pedidas em um único filme do Bruce Willis. O cara tá enrolando, publiquei esse post assim mesmo.

Assim que ele fizer a conta, publico.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um goleiro devoto arruína o monoteísmo


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"Eu rezo três pai-nossos todos os jogos agradecendo a Deus por estar neste time. É complicado para o goleiro adversário."

A frase é do goleiro Felipe, do Santos, antes da partida contra o Santo André, na final do Campeonato Paulista. Ele explica que o ataque do Santos está tão aterrorizador para goleiros que só lhe resta apelar para ajuda divina, no que tem sido bem-sucedido. Do seu ponto de vista, se o deus dele não existisse (ou se fosse infiel às suas preces), ele próprio correria o risco de ser vendido para o Santo André no meio da semana e ter de enfrentar a motoniveladora santista composta por Neymar, Robinho, André, Ganso e demais meninos.

Acontece que o Santo André também tem um goleiro, o Júlio Cesar. Igualmente devoto, também deve rezar três pai-nossos todos os dias para ser vendido ao Santos no meio da semana. Como três é igual a três, e o deus de cada um deles é Justo e Verdadeiro, só há uma solução lógica para a equação: cada goleiro tem seu próprio deus.

Não sei quem são eles, os deuses, mas sei que os há aos milhares. Só no Brasil há uns 800 times profissionais e outros 13 mil amadores, que devem jogar pelo menos uma vez por semana. Como é preciso um deus para cada goleiro, chegamos à seguinte conta:

13.800 goleiros X 52 partidas por ano = 717.600 deuses por ano, só no Brasil.

Se você argumentar que cada goleiro tem o mesmo deus durante o ano inteiro (o que não é recomendável, uma vez que os deuses parecem ter humores diferentes a cada lance), voltamos aos 13.800 deuses-dos-goleiros, o que não se pode considerar exatamente monoteísmo. Nem estou contando os deuses dos centroavantes, dos meia-armadores, do laterais, dos zagueiros, do Dunga e... dos torcedores.

E aqui chegamos a um problema teológico importante: para que time torce esse deus monoteísta que tanto sucesso faz hoje em dia? Mais exatamente: para que time ele torce em cada campeonato? Ou em cada partida? Que goleiro ele protege? Que artilheiro ele abençoa?

Esse dilema nem me comove nem me mobiliza, mas o fato é que, numa partida de futebol, todos os jogadores rezam antes, durante e depois de entrar em campo. No entanto, os resultados acontecem, cruéis e reais.

A conclusão é que toda idiotice precisa da extrema e dedicada colaboração dos idiotas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Por que não proíbem os carros?

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Cansado de defender o direito dos fumantes, parto para o ataque: por que não proíbem a circulação de automóveis em qualquer local público? Assim como fizeram com o cigarro, não seria proibida a fabricação e comércio de carros, apenas o uso em ambientes em que possam prejudicar a saúde alheia.

As leis antifumo só são aprovadas aos borbotões mundo afora por um único motivo: fumantes são minoria e estão espalhados em todas as camadas sociais. No Brasil, dizem, são uns 16 por cento, "prejudicando a saúde" de 84  por cento das pessoas.

Mas... e quanto aos carros? Em dezembro de 2009, havia no Brasil 34.536.667 automóveis, segundo o Denatran (http://www.denatran.gov.br/frota.htm). Supondo que cada um desses carros pertencesse a um brasileiro, o que é mentira, significa que proibir os carros prejudicaria apenas 18% da população brasileira. Isso mesmo: só DEZOITO POR CENTO dos brasileiros têm carros. Os 18% mais ricos, é lógico.

Ou seja: 82% da população é obrigada a respirar resíduos da combustão de petróleo e/ou conviver com o futuro do aquecimento global (isso inclui os movidos a álcool). Embora o fim da humanidade não me comova, antes pelo contrário, repito: por que não proibem os carros?

A lei anticarro seria parecida com as leis antifumo: os proprietários de veículos só poderiam usá-los nas próprias garagens. Ou no quarto, na cozinha ou no banheiro de suas casas. Se o carro for bacana, pode deixá-lo na sala. O dono do carro poderia usá-lo para ir de um cômodo a outro da casa. Para tomar um copo de água, teria de ligar seu carro, desviar dos móveis da sala e achar uma vaga no estacionamento da cozinha.

Quando a lei anticarro for sancionada, farei campanha para que seja permitido fundar uma cidade só para motoristas. Todos circulariam à vontade com seus carros, respirariam o que quisessem, e não deixariam, jamais, que o Estado interferisse na sua livre determinação para morrer como bem entendessem.

Pois essa é a face maldita das leis antifumo: não é permitido existir um bar de fumantes! Isso revela que os governantes querem não é proteger a saúde pública. É exercer o autoritarismo narcísico de tomar para si a vontade do outro. São como os pedófilos, cuja fonte de prazer está no engodo e no controle.
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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Somos todos escravos felizes

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Toda vez que alguém escreve ou publica qualquer coisa em qualquer site, incluindo cada caractere deste post, eis um escravo feliz. Escravo de quem? Dos donos do site. Feliz por quê? Porque teve um surto de autoimportância.

Cada caractere deste post ficará para sempre nos servidores do Google (corporação que já desfrutou de enorme simpatia popular e hoje desfruta cada vez menos), junto com meus emails, minhas músicas, minha navegação, minhas preferências sexuais, meu endereço, minha cara, minhas fotos, minha alma, meu CPF, meus filhos, minhas compras, minha vida.

Tudo bem, você pode argumentar que nós, escravos felizes, somos pagos pelos serviços de graça que usamos. Além disso, somos pagos pelo sentimento patético de ser uma celebridade, não pelos 15 minutos do Wahrol, mas por 15 nanossegundos (sobre isso, basta ver, em tempo real, quantos tuítes são postados por segundo aqui. Imagine seu post genial no meio disso... você se acha mesmo uma celebridade?).

Ops... eu disse "de graça"? Essa é a grande confusão na celeuma entre conteúdo pago, conteúdo de graça, pirataria etc. Pouca gente navega de graça. É tudo pago: o computador, a energia, o tempo pessoal, os dados pessoais e, sobretudo, o acesso. As pessoas relutam em pagar por conteúdo na internet pelo sentimento natural de que já pagam bastante por isso tudo. Mas isso é tema para outro post.

Eu mesmo, como todo mundo que trabalha com a web (=todo mundo, queira ou não), sonha em ter uma legião de escravos felizes. Não são só os jornalistas-por-clique; hoje, todo mundo depende de cliques, e dependerá cada vez mais.

Voltando: a web colaborativa, apelidada de web dois ponto zero, é baseada no trabalho escravo. O fato de sermos escravos felizes não me comove nem um pouco porque, além de felizes, somos voluntários. Nunca se viu nada parecido na história, a não ser numa história do Asterix em que uns egípcios entravam numa galera romana e ficavam remando, achando que estavam num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Reclamavam do serviço, da comida etc. Esse episódio deve estar aí, na web, pois algum escravo feliz certamente já teve o trabalho de escanear, "compartilhar" e dar renda de links patrocinados aos donos do site de qualquer-coisa-share. Só não pesquiso e ponho o link aqui porque, embora escravo, sou feliz mas preguiçoso.

Que algum outro escravo faça isso por mim, aí nos comentários, essa invenção da web para provar que existem escravos de escravos.


Ilustração Espártaco
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quinta-feira, 25 de março de 2010

Os 10 Mandamentos do Sadismo Digital

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O sadismo digital nasceu quando o primeiro programador levou o primeiro fora da primeira namorada. Então vocês  me perguntam: como assim, um programador tem namorada?

Não. Mas, nesta fábula, o programador se chamava William Gates, um programador cuja particularidade foi nunca ter criado uma única linha de código, e sua vingança foi se tornar o cara mais rico do mundo, meta essa conquistada com absoluto êxito.

Vamos direto ao assunto.

1. Mudarás tudo, sempre. Principalmente os menus e a interface.

2. A cada 18 meses, tornarás tudo sucata.

3. Interromperás downloads em 99 %.

4. Em vez de interromper os downloads, deixarás o reloginho eternamente em 99%.

5. Farás o usuário se perder, sempre, com o requinte de fazê-lo pensar que é a) burro; b) idiota; c) velho.

6. Esconderás suas verdadeiras intenções em "termos de privacidade".

7. Inventarás sites inúteis, que tomarão seu tempo e depois sairão de moda.

8. Viciarás quem quer que seja nos sites inúteis do Mandamento 7.

9. Apagarás tudo 10 minutos antes de qualquer backup.

10. Terás eterna inveja de um arado, um martelo ou uma pá, dispositivos que nunca tiveram de ser "reinicializados" em sua longa existência.

terça-feira, 16 de março de 2010

Pelas homenagens póstumas em vida

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Acho ruim essa história de as homenagens póstumas serem póstumas. Explico: como não acredito em vida após a morte (nem na fada dos dentes), é uma tristeza o morto não ter tido o direito, ou o prazer, ou o desprazer, de editar e comentar as próprias homenagens que receberia.

Hoje, numa conversa com uma amiga, tive a ideia de propagar essa ideia: as homenagens póstumas deveriam ser feitas com o morto ainda vivo. Assim ele teria o direito constitucional de rever certas lembranças (passado de morto é a terra das oportunidades), teria a chance de denunciar hipocrisias, a gentileza de agradecer as homenagens sinceras e, sobretudo, teria o prazer de organizar o próprio funeral, evitando a presença de desafetos.

Por exemplo: o ex-campeão de Fórmula 1 Alain Prost odiava Ayrton Senna, dentro e fora das pistas, ódio este que era fartamente retribuído. A morte do Senna em 94, que não me comoveu porque sempre o achei antipático, comoveu subitamente o francês, que correu a agarrar uma alça do caixão. Se o Senna estivesse vivo e tivesse um minúsculo bom humor, teria levantado do caixão e enxotado o desafeto.

Vinte anos atrás, eu mesmo bolei minha lápide: "Ele nunca foi à Disney e nunca foi a um musical na Broadway". Como demorei a morrer, acabaram me empurrando musical da Broadway adentro, estragando minha lápide. Resolvi trocar por "Perco a vida mas não perco a piada".

Gostaria muito, se os que me conhecem lerem este texto, que aproveitassem o ensejo e deixassem, aí embaixo nos comentários, minhas homenagens póstumas.

Afinal estou vivo, mas nunca se sabe por quanto tempo.

Um dia eu faço esse site.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Quem vai cuidar do site do Glauco?

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É estranho inaugurar um blog chamado "Isso não me comove" comentando um episódio que comoveu a tantos, inclusive a mim: o assassinato do Glauco. Parece que o assassino era do daime, a única igreja que, pelo estranho e esperto fato de ser igreja, conseguiu manter legal o consumo de um alucinógeno (o que vai provocar uma reação furiosa dos promotores caretas antimaconha). O cara era do daime, mas poderia ser do PSDB, da Igreja Universal, do Rotary, do Clube Harmonia, do MST, da Arquidiocese, das Farc... e aqui encontro o nexo: não me comove de onde veio o cara. Assassinos estão em toda parte, em qualquer espécie. Ocorrem nas melhores famílias, inclusive na sua.

Tive dois rápidos encontros com o Glauco, nos 1990. Eu era o responsável editorial da Símbolo, uma editora que publicava uma revista para meninas adolescentes, a Atrevida. Queríamos que ele criasse uma personagem feminina, que ele acabou criando, a Atrevidinha. A escolha do Glauco era óbvia: da "trindade" que ele formava com o Laerte e o Angeli, o Glauco era o único capaz de entender uma adolescente dos anos 90, por motivos que os outros dois reconhecem nesses dias de homenagens póstumas e, espero, continuem reconhecendo.

O primeiro encontro foi na casa dele, uma casa grande e térrea naquela avenida que dá na Cidade Universitária. Ele estava sentado numa roda de pessoas que discutiam, suponho, a criação da igreja do daime. Fico imaginando, com um arrepio, se o tal sujeito já não estava lá. Sentei na roda, expliquei mais ou menos o que queríamos. Ele não prestou muita atenção (dizem que ele nunca prestava atenção em nada e fazia uma charge sensacional do mesmo jeito), mas a conversa acabou chegando no daime.

Eu perguntei por que ele entrou naquela coisa. Me contou, na maior simplicidade, que soube que tinha uma droga num ritual que dava um barato incrível. Ele foi a uma reunião e perguntou: "Dá pra eu pegar só um pouquinho e levar? É que tem uma festa." Foi rechaçado. Mas depois, por tudo o que se sabe, gamou.

O segundo encontro foi na redação, para fechar o contrato e tratar dos detalhes. Na editora trabalhava uma funcionária, a Cecé, que era muito parecida -- física e psicologicamente -- com a dona Marta. Tão parecida que cuidava dos boys e, depois que eu apresentei as tiras do Glauco, ela passou a colecionar e pregar os quadrinhos na parede. A Cecé tinha uma predileção especial por uma tira em que a dona Marta mantinha os boys num freezer para usar quando quisesse. Ameaçava os meninos apontando pros recortes.

Com o Glauco em pessoa na redação, tive a ideia de apresentá-los. Disse : "Você não vai acreditar, mas a dona Marta existe e trabalha aqui". Chamei a Cecé pelo telefone, com uma voz grave (como se houvesse um problema), ela chegou de péssimo humor, perguntando por que a tiraram do seu posto. Eu disse que aquele cara era o Glauco, o criador da dona Marta. Ela teve um ataque histérico, como convém a qualquer dona Marta. O Glauco: "É ela." Então autografou um gibi para a Cecé com um desenho exclusivo da dona Marta. Fez o mesmo que fez para o Forastieri em Piracicaba, 15 anos antes, vejam aqui.

Não sei onde anda a Cecé ou o Glauco.

Mas acabo de entrar no site dele, que continua lá, embora eu não saiba onde fica o cemitério dos sites.