quinta-feira, 29 de abril de 2010

Luzes, câmeras... ações!

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Hollywood faz dois tipos de filmes: a) filmes onde os advogados são protagonistas; b) filmes onde os advogados não existem. Ambos são filmes de "ação", mas cada um com um sentido para a palavra. O tipo B é muito mais frequente, mas não sei o motivo, uma vez que os americanos amam seus advogados mais do que às próprias mães. Principalmente quando decidem processá-las.

Sempre que acabo de ver um filme do tipo B, como Duro de Matar ou O Exterminador do Futuro, me pergunto: mas onde estão os advogados dos personagens secundários? Cada um desses filmes tem todo tipo de lesões corporais, assassinatos, depredação de patrimônios, assédios morais, invasão de domicílio, infrações de trânsito, falsidade ideológica... e ninguém é processado.

Os crimes são cometidos pelos mocinhos. Bruce Willis cansou de estraçalhar vidraças de lanchonetes com carros, ônibus, aviões, tratores e qualquer outro meio de transporte. Imagine você comendo batatas fritas com seus filhinhos e de repente sendo obrigado a desviar de um caminhão em chamas. E o dono da lanchonete? O que faria o dono da lanchonete depois de uma cena de Duro de Matar? Contrataria um advogado e tiraria até o último tostão de alguém. É isso que qualquer americano faz quando fica aborrecido.

Amigos já argumentaram (fazendo gesto de sorvete na testa para mim) que isso acontece porque os autores desses delitos são os mocinhos do roteiro e, portanto, acima-da-lei. Nesse caso, não precisam de advogados, além do que os donos das lanchonetes de Nova York em geral são imigrantes, ou seja, sub-cidadãos.

Esse é o tipo de argumento que não me comove. Advogados só ganham dinheiro grosso quando defendem bandidos. Mocinho, se for mocinho de verdade, é pobre (afinal, atrás de uma grande fortuna sempre existe um grande crime). A verdadeira explicação é que os advogados americanos não gostam de defender mocinhos, e é por isso que nesses filmes os produtores deixam os mocinhos à vontade: afinal, quem precisa de um bom advogado se tem um bom roteirista?

Conclusão lógica: o filme Duro de Matar 2 deveria ser uma longa e interminável sucessão de ações indenizatórias. Não foi.

Antes de fazer esse post, pedi a um advogado amigo que calculasse o montante de indenizações que poderiam ser pedidas em um único filme do Bruce Willis. O cara tá enrolando, publiquei esse post assim mesmo.

Assim que ele fizer a conta, publico.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um goleiro devoto arruína o monoteísmo


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"Eu rezo três pai-nossos todos os jogos agradecendo a Deus por estar neste time. É complicado para o goleiro adversário."

A frase é do goleiro Felipe, do Santos, antes da partida contra o Santo André, na final do Campeonato Paulista. Ele explica que o ataque do Santos está tão aterrorizador para goleiros que só lhe resta apelar para ajuda divina, no que tem sido bem-sucedido. Do seu ponto de vista, se o deus dele não existisse (ou se fosse infiel às suas preces), ele próprio correria o risco de ser vendido para o Santo André no meio da semana e ter de enfrentar a motoniveladora santista composta por Neymar, Robinho, André, Ganso e demais meninos.

Acontece que o Santo André também tem um goleiro, o Júlio Cesar. Igualmente devoto, também deve rezar três pai-nossos todos os dias para ser vendido ao Santos no meio da semana. Como três é igual a três, e o deus de cada um deles é Justo e Verdadeiro, só há uma solução lógica para a equação: cada goleiro tem seu próprio deus.

Não sei quem são eles, os deuses, mas sei que os há aos milhares. Só no Brasil há uns 800 times profissionais e outros 13 mil amadores, que devem jogar pelo menos uma vez por semana. Como é preciso um deus para cada goleiro, chegamos à seguinte conta:

13.800 goleiros X 52 partidas por ano = 717.600 deuses por ano, só no Brasil.

Se você argumentar que cada goleiro tem o mesmo deus durante o ano inteiro (o que não é recomendável, uma vez que os deuses parecem ter humores diferentes a cada lance), voltamos aos 13.800 deuses-dos-goleiros, o que não se pode considerar exatamente monoteísmo. Nem estou contando os deuses dos centroavantes, dos meia-armadores, do laterais, dos zagueiros, do Dunga e... dos torcedores.

E aqui chegamos a um problema teológico importante: para que time torce esse deus monoteísta que tanto sucesso faz hoje em dia? Mais exatamente: para que time ele torce em cada campeonato? Ou em cada partida? Que goleiro ele protege? Que artilheiro ele abençoa?

Esse dilema nem me comove nem me mobiliza, mas o fato é que, numa partida de futebol, todos os jogadores rezam antes, durante e depois de entrar em campo. No entanto, os resultados acontecem, cruéis e reais.

A conclusão é que toda idiotice precisa da extrema e dedicada colaboração dos idiotas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Por que não proíbem os carros?

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Cansado de defender o direito dos fumantes, parto para o ataque: por que não proíbem a circulação de automóveis em qualquer local público? Assim como fizeram com o cigarro, não seria proibida a fabricação e comércio de carros, apenas o uso em ambientes em que possam prejudicar a saúde alheia.

As leis antifumo só são aprovadas aos borbotões mundo afora por um único motivo: fumantes são minoria e estão espalhados em todas as camadas sociais. No Brasil, dizem, são uns 16 por cento, "prejudicando a saúde" de 84  por cento das pessoas.

Mas... e quanto aos carros? Em dezembro de 2009, havia no Brasil 34.536.667 automóveis, segundo o Denatran (http://www.denatran.gov.br/frota.htm). Supondo que cada um desses carros pertencesse a um brasileiro, o que é mentira, significa que proibir os carros prejudicaria apenas 18% da população brasileira. Isso mesmo: só DEZOITO POR CENTO dos brasileiros têm carros. Os 18% mais ricos, é lógico.

Ou seja: 82% da população é obrigada a respirar resíduos da combustão de petróleo e/ou conviver com o futuro do aquecimento global (isso inclui os movidos a álcool). Embora o fim da humanidade não me comova, antes pelo contrário, repito: por que não proibem os carros?

A lei anticarro seria parecida com as leis antifumo: os proprietários de veículos só poderiam usá-los nas próprias garagens. Ou no quarto, na cozinha ou no banheiro de suas casas. Se o carro for bacana, pode deixá-lo na sala. O dono do carro poderia usá-lo para ir de um cômodo a outro da casa. Para tomar um copo de água, teria de ligar seu carro, desviar dos móveis da sala e achar uma vaga no estacionamento da cozinha.

Quando a lei anticarro for sancionada, farei campanha para que seja permitido fundar uma cidade só para motoristas. Todos circulariam à vontade com seus carros, respirariam o que quisessem, e não deixariam, jamais, que o Estado interferisse na sua livre determinação para morrer como bem entendessem.

Pois essa é a face maldita das leis antifumo: não é permitido existir um bar de fumantes! Isso revela que os governantes querem não é proteger a saúde pública. É exercer o autoritarismo narcísico de tomar para si a vontade do outro. São como os pedófilos, cuja fonte de prazer está no engodo e no controle.
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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Somos todos escravos felizes

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Toda vez que alguém escreve ou publica qualquer coisa em qualquer site, incluindo cada caractere deste post, eis um escravo feliz. Escravo de quem? Dos donos do site. Feliz por quê? Porque teve um surto de autoimportância.

Cada caractere deste post ficará para sempre nos servidores do Google (corporação que já desfrutou de enorme simpatia popular e hoje desfruta cada vez menos), junto com meus emails, minhas músicas, minha navegação, minhas preferências sexuais, meu endereço, minha cara, minhas fotos, minha alma, meu CPF, meus filhos, minhas compras, minha vida.

Tudo bem, você pode argumentar que nós, escravos felizes, somos pagos pelos serviços de graça que usamos. Além disso, somos pagos pelo sentimento patético de ser uma celebridade, não pelos 15 minutos do Wahrol, mas por 15 nanossegundos (sobre isso, basta ver, em tempo real, quantos tuítes são postados por segundo aqui. Imagine seu post genial no meio disso... você se acha mesmo uma celebridade?).

Ops... eu disse "de graça"? Essa é a grande confusão na celeuma entre conteúdo pago, conteúdo de graça, pirataria etc. Pouca gente navega de graça. É tudo pago: o computador, a energia, o tempo pessoal, os dados pessoais e, sobretudo, o acesso. As pessoas relutam em pagar por conteúdo na internet pelo sentimento natural de que já pagam bastante por isso tudo. Mas isso é tema para outro post.

Eu mesmo, como todo mundo que trabalha com a web (=todo mundo, queira ou não), sonha em ter uma legião de escravos felizes. Não são só os jornalistas-por-clique; hoje, todo mundo depende de cliques, e dependerá cada vez mais.

Voltando: a web colaborativa, apelidada de web dois ponto zero, é baseada no trabalho escravo. O fato de sermos escravos felizes não me comove nem um pouco porque, além de felizes, somos voluntários. Nunca se viu nada parecido na história, a não ser numa história do Asterix em que uns egípcios entravam numa galera romana e ficavam remando, achando que estavam num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Reclamavam do serviço, da comida etc. Esse episódio deve estar aí, na web, pois algum escravo feliz certamente já teve o trabalho de escanear, "compartilhar" e dar renda de links patrocinados aos donos do site de qualquer-coisa-share. Só não pesquiso e ponho o link aqui porque, embora escravo, sou feliz mas preguiçoso.

Que algum outro escravo faça isso por mim, aí nos comentários, essa invenção da web para provar que existem escravos de escravos.


Ilustração Espártaco
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