quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Vó Bel morreu. Está encerrada uma geração de avós de conto de fadas.

Isabel nasceu em 1927. Teve dois filhos (um deles a Tula, minha mulher e amor e companheira por intensos 17 anos) e quatro netos, dois deles, meus próprios filhos, o Gustavo e a Júlia. Seu marido se foi faz anos, o velho Raul, também uma figura completamente incomparável.
Hoje Isabel morreu, aparentemente em paz, com tudo resolvido e arrumado, do jeito que só ela sabia fazer.
A Isabel é a última avó de uma geração que nunca mais vai nascer. Era calorosa, sabia cozinhar e costurar, sabia inventar e contar histórias hipnóticas para os netos. Tinha muita astúcia na sua observação sobre a miséria moral das pessoas, mas sabia ser doce e humorada quando as comentava, com a maior falsa inocência.
Falsa inocente (por causa da inteligência aguda), a vó Bel encantou todo mundo à sua volta, pra começar, e acima de tudo, seus netos.
Os filhos da vó Bel eram bem complicados, e eu me incluo na matilha, pois me casei com sua filha. Sem estudos, ela tinha de administrar sua pequena prole de marxistas, trotskistas, maconheiros, dadaístas, depois jornalistas, editores empresários, enfim, toda aquela mistureba que os baby-boomers como nós (eu e toda a turma que nasceu nos anos 50) se tornou. Ela encarou tudo com uma intuição de milênios. A intuição das avós que não existirão mais, pois jamais haverá a arguta inteligência da inocência da Isabel.
Uma vez ela me disse, quando me separei da Tula: "Não vá fazer besteira, heim?"
Fiz um monte, é lógico.
Mas hoje, pensando nela, acho que posso me redimir.



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Pelo diploma para lixeiros, escritores e jornalistas

Essa história de obrigatoriedade de diploma para jornalistas só não é mais sórdida por que é patética. Patética porque parece o quarteto de cordas do Titanic tentando salvar um naufrágio com uma melodia monocórdica. Sórdida por dois motivos: sua origem e seus propósitos.

Sua origem sórdida é conhecida: a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão de jornalismo no Brasil foi instituída em 1969, graças a um acordo entre as duas entidades mais nefastas com que tive contato em toda minha curta vida: a ditadura militar e o stalinismo. Hoje, está prestes a ser "validada" democraticamente pela coalisão envergonhada que nos governa, a união oculta entre o PT e o PSDB, siglas que poderiam ser traduzidas como Partido do Tá-tudo-dominado-procês-banqueiros com o Partido da Sociedade Dos Banqueiros. Sim, queridos militantes de um ou de outro: vocês são iguais e não sabiam; apenas gerentes de banco. Vocês vão se juntar, mas conversamos sobre isso daqui a 10 anos.

Seus propósitos, os da lei, não são sórdidos, acabei de mudar de opinião. São ingênuos e desesperados. O diploma teve o efeito contrário -- e sempre terá -- do que supostamente pretendia. Inundou o mercado com diplomados, uma vez que nunca houve nem nunca haverá 10 ou 20 mil novas vagas por ano em redações neste país, nem em país nenhum. Países civilizados, todos eles, jamais instituíram diploma obrigatório para a liberdade de expressão.

Mas vamos ao assunto do post: quero diploma para lixeiros. Diploma superior, com disciplinas de química, ecobiologia, urbanismo, cibercultura, epistemologia, e tudo mais, inclusive jornalismo. Imagine um lixeiro que, inadvertidamente (por falta de formação superior específica), jogue fora um exemplar de revista junto com um pedaço de queijo podre. Agora vislumbre o que faria uma ratazana, atraída pelo odor do queijo, comendo um artigo do Diogo Mainardi. Pense nela se reproduzindo, às dezenas e centenas. Faça as contas: o que seria de nosso mundo, infestado por ratazanas leitoras do Diogo Mainardi?

Escritores também deveriam ter diploma. Houve um livro francês que se chamou no Brasil "Suicídio: Modo de Usar" (o livro foi proibido na França, acreditem). Li o livro e é uma merda, pelo simples fato de que não cumpre sua promessa. Dá conselhos do tipo: coma 358 sementes de maçã, serão tóxicas. Fiquei furioso, com vontade de pegar o dinheiro de volta. Se os autores tivessem diploma, jamais cometeriam essa lesão ao consumidor.

Adoradores de literatura adoram alardear que livros são "perigosos". Ora... se são mesmo, diploma neles!

Então que se exija diploma de todo mundo. E não esqueçam dos guardadores de carro, que, sem diploma, podem colocar uma bomba enquanto você janta e explodir sua família, por não ter tido aula de Ética e Deontologia, disciplina da ECA que, felizmente, sempre cabulei, assim como todas as outras de uma escola dirigida por um salazarista (apoiado por stalinistas como o agora santificado Wladimir Herzog). Em vez de assistir às aulas da ECA, resolvi virar jornalista. Era uma coisa ou outra.

Voltando, defendo o direito de um lixeiro escrever, fotografar, desenhar e reproduzir e distribuir suas ideias ou sua visão do mundo ou sua versão sobre o que aconteceu ontem. Defendo isso tanto quanto defendo o direito de o Diogo Mainardi escrever à vontade, pra quem quiser ler ou comer.

Jornalismo e literatura são perigosos, sim. Ainda bem. Por isso mesmo, nada de diploma, nada de domesticar a palavra, a imagem e a imaginação.