sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Teori não foi assassinado. Mas ainda pode ser




Como a internet é uma imensa mesa de bar com 4 bilhões de pessoas e nenhum garçom, pouco me comovem teorias conspiratórias e as bobagens que pululam aqui. A novíssima é o "assassinato" do ministro do Supremo Teori Lavascki. Particularmente, prefiro atribuir a queda do avião ao fato de o sangue de San Gennaro não ter se tornado líquido nas mãos do papa Francisco em 16 de dezembro, o que sempre prenuncia catástrofes no ano seguinte.

Teori não foi assassinado pelo simples fato de que não há nenhuma prova ou indício disso. Pelo que aprendemos nos filmes policiais, temos um corpo e até motivos, mas não temos a arma. Ponto. Quando e se houver (daqui a um ano) conversamos de novo.

Afastada a hipótese de assassinato, resta saber como assassinar o ministro depois de morto. Tem dois jeitos:

1. Interromper a homologação das 77 delações premiadas que ele estava cuidando e aguardar a indicação de um outro ministro pelo Temer, citado 47 vezes só nas delações que vazaram. Esse processo pode se arrastar por meses e favorecerá a todos os delatados nas delações, especialmente as "novidades" tipo Temer e a turma do PSDB até agora protegidos por omissão pelo juiz Moro.

2. A presidente do supremo Cármen Lúcia distribuir o processo ao Gilmar Mendes, que anda de carona e de mãozinha dada com o Temer, além de ser conhecido por sua incontinência verbal e jurídica.

Agora vai começar uma lenga-lenga técnica para saber qual é a saída juridicamente correta para esse impasse. Não há. Vamos lembrar da posse do Sarney, que assumiu a presidência no grito.

Numa crise muito mais grave, Sarney foi empossado no grito


Em 1985, Tancredo Neves foi "eleito" por um maldito colégio eleitoral, numa eleição consentida pelos militares, uma vez que o movimento pelas Diretas Já foi barrado no Congresso, que já era tão podre quanto agora e quanto sempre foi. O candidato derrotado foi Paulo Maluf, ele mesmo.

Mas Tancredo ficou doente e não tomou posse. Não conseguia assinar o termo de posse. Aliás, estava mortinho da silva no dia em que assumiria a presidência.

O suspense foi terrível: e agora? O que fazer com o país? O primeiro presidente civil depois da ditadura estava tecnicamente morto (conspiradores diziam: "Foi assassinado pelo ACM!" etc.) e alguém tinha de tomar posse. Os militares já tinham recebido ordens de Washington de voltar à caserna. A história não suporta vácuo. As soluções eram empossar o segundo lugar (Maluf), convocar novas eleições indiretas ou... empossar o candidato a vice, José Sarney.

Ora, Sarney não era vice de nada, pois só seria vice se o presidente eleito tomasse posse. Portanto, no rigor da lei, não era porcaria nenhuma.

Então Ulysses Guimarães resolveu a parada no grito: "Assume o vice e ponto final!".

Ulysses era presidente da Câmara dos Deputados e não tinha tecnicamente autoridade para decidir porcaria nenhuma. Mas deu o grito na hora certa e resolveu a parada. Quem poderia dar esse grito hoje é a presidente do Supremo. Mas daí seria preciso que ela tenha um mínimo de espinha dorsal. Terá?

Sarney, que até então era do time dos militares, assumiu e fez um dos piores e mais desastrosos governos da História. Quando ele tomou posse, o general Figueiredo se recusou a passar a faixa, por considerá-lo um traidor. Para o Tancredo, passaria a faixa. Para o Sarney, não. Foi patético.

Foi assim, meninos. Eu vi.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Todo livro é de autoajuda




Vamos parar com essa história de classificar certos livros como sendo de "autoajuda" e outros não. Todo livro é de autoajuda pelo simples fato de que não vem com o autor junto para dialogar com você. É você, o livro e ninguém mais por perto.

Imagine um livro que estabeleça uma relação entre a filosofia de Kant e as composições de Anton Webern, que nem contemporâneos foram. O texto, quase ininteligível, não chegaria a conclusão alguma. Mostraria apenas intrincadas reflexões e traria no fim uma extensa bibliografia de livros que você jamais encontrará pois estão esgotados, dois terços deles em alemão.

Agora imagine um livro que traga 10 truques infalíveis para ser feliz, prontinhos para usar. Basta seguir os passos como numa receita de bolo. (Aliás, ninguém reclama da existência de livros de receitas culinárias, a não ser que as receitas sejam incompletas ou erradas ou metidas a filosóficas.)

O primeiro livro diz ao leitor: vire-se, tire suas próprias conclusões e não conte comigo. Em outras palavras... ajude-se! Trata-se visivelmente de um livro de autoajuda intelectual. Se você não entendeu nada, problema seu.

O segundo livro diz ao leitor: eu ajudo você a ser medíocre em sua mediocridade e garanto que após a leitura você será mais medíocre ainda. Siga esses conselhos e... faça! Trata-se também de um livro de autoajuda, só que honesto. Se você não ficou feliz, problema seu.

Este post não é uma "defesa" dos livros considerados de autoajuda. Escrevi apenas porque chavões me incomodam principalmente quando vêm de gente que usa chavões supostamente para combater chavões...

A diferença que existe, portanto, é entre livros rasos, escritos para gente simplória e rasa, e livros complexos, para gente mais instruída e cognitivamente mais sofisticada. Os primeiros vendem mais porque a esmagadora maioria dos habitantes é simplória e rasa.


sábado, 14 de janeiro de 2017

O bode na própria sala




Quando o ministro das Comunicações e mais-sei-lá-quê Gilberto Kassab anunciou e depois desanunciou o limite de acesso para a banda larga, fiquei com algumas pulgas atrás da orelha: quem era o bode e de quem era a sala? Enfim, a quem ele quis enganar com essa manobra? Nós, usuários e eleitores?

Acho que não. Acho que os políticos brasileiros estão desenvolvendo uma nova modalidade de bode-na-sala: o bode na própria sala. São tão abjetos que, com essa manobra, querem enganar seus donos, não seus eleitores.

Funciona assim (senta que lá vem teoria conspiratória):

1. Os donos (as teles, no caso) mandam uma ordem ao ministro: "Decreta ai um limite para a banda larga, inventa um "excesso" que não existia e nos deixe cobrar por esse novo excesso. Precisamos, queremos desesperadamente ganhar mais dinheiro sem fazer nenhum esforço extra. Faz parte da nossa natureza e é para isso que pusemos você aí".

2. O ministro engole em seco. Está numa enrascada. Sabe que vai levar paulada do segundo país com maior número de usuários da web do mundo. Que vai ser vítima de uma campanha não viral, mas virulenta. Engole em seco mas diz aos seus donos: "Sim sinhô".

3. E aí tem uma ideia genial. E se ele, em vez de simplesmente assinar a portaria e colocar a coisa em vigor, tratasse de anunciá-la?

4. Foi o que fez. Colocou a cara para bater e levou porrada de tudo quanto é lado. Então, com a cara sangrando e os primeiros hematomas, foi à casa do seus donos e argumentou: "Vejam só, vejam como eu apanhei. Acho que não vai dar certo... Que tal voltar atrás? Fico com a fama de covarde, indeciso, mas logo esquecem. E vocês nem tchum; afinal, as porradas levei eu".

Nenhum ministro é obrigado a "anunciar" medida nenhuma. Se estiver em suas atribuições, vai lá, assina e a coisa entra em vigor.

Quem anuncia quer testar. E quem quer testar quer colocar o holograma de um bode na sala, não um bode de verdade.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O príncipe dos psicopatas



Todos que fizeram ou tentaram fazer qualquer negócio com João Doria Júnior se deram muito mal. Desta vez, quem se dará mal são os paulistanos, que escolheram fazer o péssimo negócio de o elegerem.

Ao contrário do estado, a cidade de São Paulo tem um eleitorado nervoso, que raramente reelege prefeitos. O último que ficou mais de quatro anos foi Prestes Maia, fora Kassab, que era vice. Ingovernável e de problemas insolúveis, São Paulo gosta de mudar, mudar e mudar.

Seus prefeitos adotam sempre medidas anódinas ou laterais, que não atacam os principais inimigos da cidade: a máfia do transporte e a máfia do lixo. Um tira outdoors, outro pinta ciclovias. Por aqui, nas redondezas, o último prefeito que tentou se meter com a máfia do transporte levou um tiro na testa: Celso Daniel.

Doria ou tem compulsão pelo roubo, como aquelas pessoas que roubam até a própria faxineira, ou é um embusteiro consciente e incorrigível. Discutindo com uma amiga, defendi a primeira hipótese, a da cleptomania. Trata-se de uma afecção clínica, não de caráter.

Doria já foi prefeito de um pedacinho de São Paulo, a praça Claudio Abramo, em frente à sua empresa na época. Roubou o espaço público, instalando lá, sem nenhuma autorização, uma escultura de sua mulher, Bia Doria, como se ela fosse uma escultora que tivesse obras públicas. O caso está aqui.

Imaginem o que fará com uma cidade inteira à sua disposição.

Na hipótese de doença incontrolável, ele não conseguirá resistir. Na outra hipótese – falta de caráter – também não resistiria.

Empreendedor da própria imagem


Doria nunca fabricou um único palito de fósforos ou um único evento de natureza cultural ou educativo. Produziu eventos, revistas e programas de televisão com o claro objetivo de bajular empresários e gente de quem pretendia bater a carteira de alguma forma.

Agora ele tem nas mãos o quarto maior orçamento do país e governa a maior cidade do hemisfério sul do planeta. É fácil imaginar o que fará. Com 15 dias de governo, anunciou que vai roubar o leite das crianças do ensino fundamental.

Ao tomar posse, citou no discurso seu livro de cabeceira, escrito pelo Maquiavel moderno e considerado "a bíblia dos psicopatas". O livro se chama As 48 Leis do Poder, de Robert Greene. Um belo artigo de Eliane Brum a respeito foi publicado no El Pais. Está aqui.

Fez isso sem corar.

Doria foi eleito democraticamente. Lógico que deu uma roubadinha "básica" nos gastos de campanha interna do partido para ser candidato, o que fez o tucano há 20 anos Andrea Matarazzo sair indignado do partido, mas isso o povo do PSDB que se entenda e os paulistanos que o mereçam.

Uma vez, fiz uma reunião com João Doria porque a editora onde eu trabalhava faria um evento em Campos do Jordão. Avisei nossa diretora de Publicidade sobre os riscos, não adiantou nada. Ela estava hipnotizada pelo canto de sereia de João Doria Júnior.

Saí da reunião sem fechar nenhum negócio. Esperando o táxi, conferi minha carteira, estava no bolso.

Respirei aliviado.